Por António dos Santos Queirós, investigador e professor. Universidade de Lisboa
Fonte: CRI Published: 2021-08-12 22:03:32
Artigo publicado na rádio nacional da China, edição internacional e digital_ CRI
(See above link in Simplified Chinese)
http://portuguese.cri.cn/news/world/408/20210812/695091.html
O eminente virologista e investigador australiano Sir Frank Macfarlane Burnet, laureado com o prémio Nobel, escrevia em 1942 sobre a mal denominada Gripe Espanhola, que devastou a Europa no final da I Guerra Mundial: “O facto de a pandemia de 1918 provavelmente ter começado nos Estados Unidos é importante porque diz aos investigadores onde procurar um novo vírus. Eles devem olhar em todos os lugares.”
Estas palavras proféticas, não perderam atualidade e aplicam-se à pandemia do Covid-19.
Então, o vírus, com origem em Haskell County, Kansas, atingiu os quartéis de treino do corpo expedicionário dos EUA e foi levado pelo exército americano para o campo de batalha da Primeira Guerra Mundial, na Europa. Mas os governos que promoveram o conflito espalharam a notícias falsa que era a Espanha, um país neutro, a origem da doença, porque queriam que essa guerra fosse até ao fim, e era preciso atirar a culpa para a Espanha, que fora o primeiro país a revelar a existência do vírus e a alertar para o perigo da nova pandemia. O resultado dessa farsa traduziu-se na disseminação da pandemia pelo mundo e em mais de 50 milhões de mortes.
Hoje, deve perguntar-se: qual foi o centro de investigação, ou o cientista, que encontrou sinais de artificialidade no Covid-19 e lançou a dúvida sobre a sua origem? Nenhum! O boato sim, foi politicamente fabricado e devemos procurar os que dele beneficiaram.
Os fabricantes de notícias falsas
O presidente dos EUA introduziu a ideia racista e não científica de um “vírus chinês” e, ao mesmo tempo, pôs em causa a autoridade da OMS e das suas próprias instituições de saúde. Os governos dos EUA usaram mesmo a chantagem do abandono da OMS e da retirada do seu financiamento e toda a influência mediática de que continuam a dispor.
No entanto, as agências de segurança nacional, chamadas pelo presidente americano a investigar o caso, logo contradisseram Donald Trump:
A Associated Press, em 1º de maio de 2020, noticiava: “As agências de inteligência dos EUA estão a desmascarar a teoria da conspiração, dizendo que concluíram que o novo coronavírus “não foi feito pelo homem ou geneticamente modificado”. A declaração do Gabinete do Diretor da Inteligência Nacional surge quando o presidente Donald Trump e os seus aliados propagaram a teoria da origem num laboratório de doenças infeciosas em Wuhan.”
Enquanto isso, na Europa, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, dirigia então “um pedido de desculpas sincero” à Itália em nome da Europa por não estar ao lado do país desde o início da pandemia de Covid-19, num discurso perante o Parlamento Europeu (4.04.2020). Mas a China esteve, dela partiu a primeira ajuda em equipas e suprimentos médicos, que se estenderam a mais de duas centenas de países e instituições, independentemente dos seus regimes e ideologias políticas.
A administração de Trump e a de Bolsonaro negaram o perigo da pandemia, prometeram drogas milagrosas, recusando ao mesmo tempo subordinar os negócios ao imperativo moral da saúde pública; entraram em conflito com os governadores estaduais, a quem a China pode prestar assistência e solidariedade nos períodos mais críticos. Para fugir a responsabilidades, começaram por acusar a China de esconder informação.
Ciência, informação e solidariedade da China face ao Covid-19, um bem comum oferecido à Humanidade
A investigação do novo vírus não foi abafada. Desde dezembro de 2019 que a China mobilizou todos os recursos nacionais para esse fim.
Desde 3 de janeiro, a China começou a informar regularmente a Organização Mundial de Saúde (OMS) e os países e regiões suscetíveis de serem afetados imediatamente.
Em 7 de janeiro foi identificado na China o vírus como um SARS Corona e no dia seguinte os CDC dos EUA puderam receber e partilhar toda a informação científica, que no dia 9 de janeiro foi transmitida à OMS e na mesma data, divulgada em larga escala pelas autoridades chinesas.
Também, em 9 de janeiro, a OMS publicou no seu site um comunicado dizendo que a “identificação preliminar de um novo coronavírus num curto espaço de tempo é um feito notável”.
Desde essa data que a China colocou à disposição da humanidade, incluindo os governos e as grandes empresas farmacêuticas, toda a informação científica sobre o genoma e a pandemia, de acesso livre na internet, o que permitiu avançar rapidamente para a criação de vacinas.
É, em primeiro lugar, a ação solidária da China, que a notícia falsa sobre o laboratório de Wuhan quer apagar e fazer esquecer o fracasso das políticas governamentais, o egoísmo nacional das democracias liberais e das suas instituições políticas, que se prolongou na atualidade com o açambarcamento das vacinas pelos 10 países mais ricos do ocidente.
Essa propaganda serviu também para diminuir o impacto mundial dos sucessos do socialismo com caraterísticas chinesas, no ano do centenário do PCCh, sobretudo a erradicação da pobreza extrema de 850 milhões de cidadãos.
A ciência sabe reconhecer os vírus naturais
O paralelo histórico pode ser alargado à história recente do emergir natural de outras pandemias. Os investigadores que trabalham nos laboratórios especializados afirmam que os vírus criados artificialmente têm caraterísticas específicas que os distinguem dos vírus selvagens e que o SARS-CoV-2 apresenta todas as características dos vírus provenientes da natureza, como o reafirmou o chefe da missão da OMS que neste ano de 2021 regressou à China, numa mensagem que antecedeu a partida, o Dr. Peter Ben Embarek. Ainda podemos ver e ouvir a mensagem no site da OMS: Episode #21 – Covid-19 – Origins of the SARS-CoV-2 virus14 January 2021 | Science conversation, WHO.
A primeira missão, recordemos o facto, ocorreu logo em Fevereiro de 2020 e permitiu à OMS organizar o combate mundial contra o Covid-19
Os casos dos visons europeus e da inesperada descoberta de anticorpos na Itália
O número crescente de vírus emergentes é em grande parte resultado da destruição das florestas tropicais, derrubadas sobretudo para desenvolver a industrialização da agricultura, da pecuária e da silvicultura e da proliferação do comércio de animais selvagens, mas também do desmatamento que acompanha o crescimento populacional nos países subdesenvolvidos, num mundo globalizado.
Mas tal acontece igualmente nos países mais desenvolvidos. Vejamos, no contexto do Covid-19, o caso do vison ou marta.
O Governo da Dinamarca, a meio de 2020, ordenou o abate de todos os visons em mais de 1.100 quintas do país – cerca de 17 milhões – após ter sido verificada uma mutação do novo coronavírus nesses animais, que infetou 12 pessoas.
A Dinamarca não foi o primeiro país a tomar essa medida drástica. A Holanda e a Espanha na província de Aragão, também já tinham abatido milhares de visons por preocupações semelhantes. Em agosto desse ano, a Holanda, depois de sacrificar dezenas de milhares de animais, resolveu banir por completo a sua criação para a indústria de peles.
Entretanto, o Jornal Científico Tumori, ligado à Fondazione IRCCS Istituto Nazionale dei Tumori, Itália, publicou um estudo sobre o cancro do pulmão, relativo ao período de junho de 2019 a março de 2020, onde foi detetada, nas amostras recolhidas, a existência de anticorpos de Covid-19, antes da sua descoberta na China. As regiões mais afetadas pela pandemia correspondem às regiões de origem destas amostras, evidenciando a pré-existência do vírus.
Estas notícias, depois de uma breve aparição na comunicação social e nas redes sociais, logo foram submersas pela insistência nas notícias falsas sobre Wuhan.
A origem natural dos vírus, segundo a ciência
Regressemos à história mal conhecida da proliferação dos vírus naturais. Conforme os habitats naturais desaparecem, espécies como ratos, morcegos e insetos sobrevivem e tornam-se nos hospedeiros e vetores que podem transmitir novas doenças.
O cientista português Jorge Paiva explica que, quando destruímos o ecossistema florestal, estamos a libertar do controlo milhões de bactérias e vírus que podem provocar novas doenças, como, por exemplo, aconteceu com o HIV, que está na origem da Sida, que surgiu na região florestal da África Tropical, causada por duas espécies do género Lentivirus, que infetaram os símios portadores do HIV e do Ébola.
É ainda o professor Jorge Paiva que nos revela a existência anterior nessas florestas de uns estranhos seres denominados mixomicete, que não são plantas, porque não têm clorofila; não são animais, porque se reproduzem por esporos; e também não são fungos, pois ingerem e digerem microrganismos. São protistas e constituem um subfilo com cerca de mil espécies, alimentam-se de microrganismos, como leveduras, fungos, bactérias e também de vírus, sendo, pois, controladores desses organismos. A destruição das florestas milenárias, com a crescente perda da biodiversidade e extinção destes predadores, estão também na origem da proliferação dos novos vírus.
O aparecimento de um vírus violento e de grande morbidade, voltou a acontecer em 1968, com a Gripe de Hong Kong, na altura uma colónia inglesa, onde teve origem o vírus Influenza A subtipo H3N2, uma das gripes com origem nas aves, que causou mais de um milhão de mortes à escala mundial.
Foi assim com o HIV, causador da Sida. Foi detetado em 1981 nos EUA, tornando-se então a principal causa de morte de cidadãos americanos adultos entre os 25 aos 44 anos, que já matou 32 milhões de pessoas em todos os países.
Na África, com o Ébola (1976), na China com o SARS de 2003, no México e nos EUA em 2009, com o H1N1, com o MERS que em 2012 surgiu na Arábia Saudita e depois nos países do Médio Oriente, agora na China, com o Covid-19.
O desmatamento na Amazônia voltou a acelerar nos primeiros meses de 2020, segundo o INPE. O desmatamento em São Paulo aumentou o risco de disseminação do hantavírus, quase sempre fatal para o ser humano.
De acordo com a pesquisa de Mark Woolhouse, professor de epidemiologia de doenças infeciosas da Universidade de Edimburgo, novas espécies de vírus estão a ser descobertas a uma taxa de três a quatro por ano. A maioria tem origem animal.
O neocolonialismo e a alternativa de um Futuro Comum para a Humanidade
Grupos multidisciplinares de cientistas dos EUA, China, Quênia e Brasil vêm propondo na revista Science um investimento global de US$ 30 biliões por ano em projetos para proteger as florestas tropicais e construir alternativas ao comércio de vida selvagem e ao avanço da industrialização agro, silvo-ganadeiro, que as destrói,
Esta iniciativa está alinhada com o modelo de cooperação da China com a América Latina tal como com África, adotado pelo último Fórum de Cooperação com África, FOCAC (2018 – onde estiveram 53 países), no quadro da Nova Rota da Seda e de que a Etiópia é o melhor exemplo, que visa pôr fim a séculos de exploração colonial e aponta para a criação de uma base industrial e agrícola baseada na ciência e na tecnologia modernas, em cada país, construída segundo os princípios da transição ecológica e sustentabilidade.
Eis, pois, a segunda razão, porque os governos das potências capitalistas, que exploram as riquezas naturais dos países menos desenvolvidos, querem desviar a atenção das causas primeiras das novas pandemias, induzindo a nossa consciência a aceitar a invenção caluniosa de um acidente laboratorial em Wuhan!
Devemos olhar em todos os lugares
Recordemos a mensagem de Sir Frank Macfarlane Burnet, que “diz aos investigadores onde procurar um novo vírus: Eles devem olhar em todos os lugares!” A China continua a aceitar este princípio.
Assim perguntamos:
Por que parou a União Europeia de procurar nos seus países os animais transmissores do Covid-19, depois da descoberta das martas e da deteção de anticorpos em centenas de pacientes italianos, anteriores ao início da pandemia na China?
Por que recusa os EUA, uma das potências ocidentais que recebeu a herança nefasta do imperialismo japonês da produção e utilização de armas químicas e biológicas, a extensão da pesquisa do vírus ao seu país, tendo em conta que os CDC americanos mandaram fechar o laboratório P4 de Forte Detrick indefinidamente por razões de “segurança nacional” e uma nova sede de Laboratórios de Guerra Biológica do Exército dos EUA já deverá estar operacional?