A Questão do Mar do Sul da China e a preservação da paz, da liberdade e da segurança

 

Comunicado de imprensa da CCDPCh.

O Mar do Sul da China é o maior do mundo, com uma área total próxima dos três mil milhões de km2, com inúmeras ilhas, recifes e uma longa costa, objeto de partilha e de conflitos pontuais, como é o caso das Ilhas Paracel (Hoang Sa), Spratly (Truong Sa)  e Mischief Reef.  Disputam a sua soberania alguns dos países da ASEAN (Associação de Nações do Sudeste Asiático) sobretudo o Vietname e as Filipinas, mas também a China, que reclama o exercício da sua jurisdição desde há mais de dois mil anos. De fato, os mapas antigos da China e os anais locais, testemunham a administração milenar chinesa sobre as ilhas Nansha (que pertencem ao arquipélago das Spratly)  e águas adjacentes.

A ASEAN, uma coligação de países asiáticos promovida pelos EUA durante a Guerra Fria, evoluiu posteriormente para a cooperação pacífica com a República Popular da China, sobretudo nos últimos trinta anos de Reforma e Abertura, abrangendo agora 10 países, com a adesão do Brunei, Vietname, da Birmânia, do Laos e do Camboja, além dos fundadores, Indonésia, Malásia, Tailândia, Singapura e Filipinas.

A importância estratégica do Mar do Sul da China reside no fato que mais de metade da tonelagem da navegação mundial atravessa este mar, representando pelo menos 15% do comércio marítimo, ligando o Nordeste Asiático e a zona Ocidental do Pacífico ao Oceano Índico e ao Médio Oriente. Países como o Japão e a Coreia do Sul e o território de Taiwan, são abastecidos de petróleo, numa percentagem superior a 80% do seu consumo, através destas rotas, igualmente vitais para a China, porque 70% de seu comércio e 80% das importações de energia atravessam o Mar do Sul da China.

A origem do conflito e a sua superação no âmbito da cooperação ASEAN-China

 No final dos anos 1960, após a descoberta de recursos de petróleo e gás na região, as Filipinas e outros países da ASEAN começaram a ocupar alguns territórios das ilhas Nansha.

O processo de negociação internacional da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar e o Acordo Relativo à Aplicação da Parte XI da mesma Convenção, concluído em 1982 e que entrou em vigor em 1994, conduziu, paradoxalmente, os países em todo o mundo a  intensificar as suas iniciativas e reivindicações sobre a soberania dos mares.

Atualmente, a China exerce a sua soberania sobre 8 ilhas e recifes, considerando este mar sob administração chinesa desde a sua utilização pelos pescadores na Dinastia Han (206 a.C. – 220 d.C). Já na nossa época, invoca os termos do Tratado imposto pela França colonialialista em 1887, que dividiu o Golfo de Tonkin; e lembra que, durante a Segunda Guerra Mundial, após a ocupação pelo Japão das ilhas Nansha e a vitória das nações democráticas contra o fascismo, as conferências do Cairo e de Potsdam devolveram à China a soberania sobre aqueles territórios, situação que foi amplamente reconhecida pela comunidade internacional, até ao início da guerra fria e, mais recentemente, a descoberta de potenciais riquezas petrolíferas e minerais nesta zona.

O Vietname ocupa 25 ilhas, reclamando a totalidade das Spratly e as Paracel, invocando o fato de, antes da conquista da independência da França, estarem sob administração colonial daquele país. A Malásia ocupa 6 ilhas e reivindica 12, entrando igualmente em conflito com as pretensões das Filipinas e do Vietname. Taiwan administra a maior ilha das Spratly. E as Filipinas, que ocupa 8 destas ilhas, reclama a quase totalidade da área, invocando a tradição de descoberta dos seus marinheiros e a proximidade geográfica. O Brunei não ocupa nenhuma, mas reivindica também direitos de soberania.

Perante o conflito de interesses, que envolve vários países, sobretudo o Vietname, a Malásia, a China e as Filipinas, e porque a paz, a liberdade e a segurança do mar do Sul da China é vital para mais de 80% da atividade comercial da China, o seu governo promoveu já em 1997 a assinatura da Declaração Conjunta sobre “A Cooperação ASEAN-China Rumo ao Século XXI”, a qual, além de incluir a contribuição chinesa para um pacote financeiro de apoio aos países ASEAN mais afetados pela crise financeira asiática, defendeu a paz, a liberdade e a segurança do Mar do Sul da China.

Posteriormente, em 4 de Novembro de 2002, foi subscrita por todos os países, a  “Declaração do Código de Conduta no Mar do Sul da China”, por ocasião da Cimeira ASEAN/China de Phnom Penh, que assegura:

– a liberdade de navegação  e sobrevoo no Mar do Sul da China;

_ a resolução dos diferendos territoriais por via pacífica e sem recurso à força;

– autocontenção em matéria de iniciativas potencialmente conflituosas, como a ocupação de locais  desabitados, e o reforço da confiança mútua, nomeadamente, através da comunicação prévia sobre a realização de exercícios militares;

– o desenvolvimento da cooperação na proteção das espécies marinhas e na investigação científica,

_  o reforço da cooperação em matéria de  segurança da navegação.

Novas ameaças ao caminho da paz, da liberdade e da segurança

Este acordo regional e a institucionalização de uma prática política de negociações pacíficas bilaterais, pôs fim aos conflitos, esporadicamente violentos, que envolveram o Vietname, a China e as Filipinas, embora a disputa multilateral continue. E seria reforçado em 2003, pela adesão da China ao Tratado de Amizade e Cooperação (TAC) do Sudeste Asiático, que fortaleceu a via negocial e da cooperação pacífica, a igualdade e o espeito pela soberania das nações envolvidas.

O recente recurso ao Tribunal Internacional de Haia, por iniciativa do ex-governo filipino, não teve o apoio dos seus parceiros na ANSEAN, rompeu a tradição de resolução dos diferendos através de negociações bilaterais e regionais e pôs em causa a já mencionada Convenção mundial sobre o direito do mar. Viola mesmo o acordo político designado por “Consultas sobre o Mar do Sul da China e Outras Áreas” (1995), através da qual a China e as Filipinas  reafirmaram o compromisso de resolver as disputas por meio de negociações.

Mas as autoridades das Filipinas abandonaram unilateralmente a prática de consultas regulares sobre assuntos marítimos entre a China e as Filipinas e promoveram a abertura de um processo de arbitragem no Tribunal Internacional de Haia, sem consulta prévia ao governo chinês. Esta ação contraria o direito da China à escolha dos meios para a resolução de litígios, conforme garante a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. O artigo 298 da Convenção exclui mesmo a utilização de procedimentos compulsórios, como a arbitragem, na resolução de controvérsias sobre a delimitação territorial e marítima. Assim, também do ponto de vista do direito internacional, o pedido de arbitragem pelas Filipinas carece de fundamento legal, e o tribunal que decide o caso não tem jurisdição sobre o assunto.

O processo do Tribunal de Haia, no pano político, não pode ser dissociado da existência na União Europeia de novas correntes políticas que defendem, simultaneamente, o retorno ao nacionalismo dos impérios e o tratamento discriminatório da China, no comércio e na política internacional. Nos EUA, surgiu mesmo uma corrente política belicista, que apoia o candidato republicano à presidência e que ganhou adeptos nos partidos conservadores de todo o mundo, denominada doutrina da 3ª Guerra Mundial, que coloca o mar do Sul da China como um dos epicentros dessa 3ª guerra, em conjunto com a fronteira euroasiática da Europa e o continente africano, e perspetiva o acordo de comércio transatlântico, em fase de negociação entre a União Europeia e os EUA, como instrumento dessa visão estratégica. Recentes incidentes com navios de guerra de potências estrangeiras que cruzam o Mar do Sul da China, criaram novos focos de tensão internacional e abrem um precedente perigoso para a resolução pacífica dos diferendos.

A CCDPCh pronuncia-se, neste momento grave, em favor do prosseguimento da via negocial e pacífica, guiada pela história comum, o direito internacional e os acordos bilaterais e regionais entre os países envolvidos, como o único caminho para a salvaguarda de paz, da liberdade e da segurança no Mar do Sul da China.

O Presidente: Y Ping Chow

O Secretário-Geral: António dos Santos Queirós

15.07.2016