Comunicação apresentada na Assembleia da República pelo Secretário-Geral da CCDPCh, em 08.07.2015, por ocasião dos 70 anos da derrota do fascismo.
Por António dos Santos Queirós
A omissão da história. As causas da II Guerra Mundial e a invasão da China
O contributo militar da China para a derrota do fascismo mundial. A Nova China e o problema da Paz. A Coexistência Pacífica
A China no contexto da II Guerra Mundial
A omissão da história
No Museu Militar de Paris, no Palais des Invalides, e no setor dedicado à II Guerra Mundial, há um quadro trágico que regista o número e a nacionalidade das suas vítimas:
No topo, a URSS, com 26 milhões de mortos.
A China logo a seguir, com 12,6 milhões de mortos.
A Alemanha e a Polónia partilham o mesmo número de 6 milhões mais 6 milhões de mortos.
O Japão segue-os com 2,6 milhões.
A Jugoslávia com 1, 5 milhões.
As Filipinas com 1 milhão.
A França com 580.000.
A Roménia e a Grécia com 460.000 mais 460.000.
A Itália com 444.500.
O Reino Unido com 445.000.
A Checoslováquia com 360.000.
Os EUA com 340.000.
A Holanda com 240.000.
A Bélgica com 100.000.
A Índia com 50.000.
O Canadá com 45.000.
A Austrália com 21.000.
A Bulgária com 20.000.
A Nova Zelândia com 18.000 fecha esta escala fatídica, que se aproxima dos 50 milhões de vítimas mortais, das quais mais de 30 milhões eram civis.
As nações e os povos de todo o mundo deram a sua vida pela causa da liberdade e da soberania nacional, pelos ideais da democracia liberal ou socialista e pela esperança num mundo mais justo e pacífico. E falo das nações vencedoras e vencidas, pois a sorte da guerra abriu a todas elas o direito a escolher o regime económico e social e o tipo de democracia onde iriam construir um futuro comum.
Assim foi escrita e aprovada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pela ONU em 10 de Dezembro de 1948 (A/RES/217). Esboçada principalmente por J. P. Humphrey, do Canadá, teve no Dr. P.C. Chang, representante da República Popular da China_RPCh e das posições dos países asiáticos, o principal mediador dos consensos estabelecidos nos seus 30 artigos.
Devo aqui sublinhar que em nenhum dos artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos se consagra o modelo de democracia liberal como o modelo ideal da democracia política. E tão pouco pode ser reduzida à questão das “liberdades políticas” formais. O que o seu Artigo 21º prescreve é o caminho para a cidadania e para a diversidade dos regimes democráticos
“Artigo 21°
- Toda a pessoa tem o direito de tomar parte na direcção dos negócios públicos do seu país, quer directamente, quer por intermédio de representantes livremente escolhidos.
- Toda a pessoa tem direito de acesso, em condições de igualdade, às funções públicas do seu país.
- A vontade do povo é o fundamento da autoridade dos poderes públicos: e deve exprimir-se através de eleições honestas a realizar periodicamente por sufrágio universal e igual, com voto secreto ou segundo processo equivalente que salvaguarde a liberdade de voto.”
Todos os outros 29 artigos, que consagram os direitos democráticos fundamentais, com são direito ao trabalho e à proteção social, à igualdade perante a lei ou de género, possuem a mesma dimensão política e estão subordinados a dois imperativos éticos que a Declaração proclama, o imperativo da dignidade e o imperativo da paz:
“…o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo;”
Essa dignidade será protegida através de
“…um regime de direito, para que o homem não seja compelido, em supremo recurso, à revolta contra a tirania e a opressão;”
E só será defendida com
“…o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações;”.
Porque, como afirma o nosso poeta Jorge de Sena na filosofia e na ética política dos seus versos:
“…/…
tudo se perde onde se perde a paz,
e primeiro que tudo se perde a liberdade.” Jorge de Sena, “A Paz”
Mas há naquela estatística, que mal conhecemos ou ignoramos, um sinal inquietante, de que carecemos de olhar o outro lado do mundo, na sua complexa diversidade e ultrapassar a visão etnocêntrica.
Para que a nossa visão incompleta das coisas não se transforme em “verdade histórica” e em “pensamento único”.
Há no pensamento político e económico ocidental um preconceito comum que atravessa a direita e a esquerda e a que se chama etnocentrismo, assim definido por um dos maiores antropólogos modernos, Jorge Dias,
“Etnocentrismo é uma atitude emocionalmente condicionada que faz considerar e julgar outras sociedades pelos critérios originados pela própria cultura. É fácil ver que esta atitude leva ao desprezo e ao ódio de todas as espécies de vida que são diferentes daquela do observador.” (Estudos de Antropologia, 1961)
A historiografia que enforma a cultura a ocidente e a sua difusão multimédia e na comunicação social precisa pois de ser reescrita com as contribuições de todos os países e nações.
A China na II Guerra Mundial
O segundo conflito mundial não foi o fruto da loucura de um ditador, dos sonhos de grandeza perdida de outro tirano e da vontade imperial de um terceiro. A guerra moderna é o resultado da concorrência económica e depois política, entre as oligarquias_ financeiras, económicas, políticas e militares, que se forjam na construção dos impérios, na corrupção das democracias e dos socialismos ou sobre os seus escombros.
Os financiadores de Hitler não foram apenas as poderosas famílias de Thyssen e Kirdoff, mas também empresas multinacionais alemãs, como a I.G. Farben e a A.E.G., onde o capital internacional, sobretudo norte-americano, investira fortemente, beneficiando das simpatias políticas pelo nazismo dos líderes de companhias e bancos com o JP Morgan, Dupont, Singer, GM e Sun Oil, conspiradores contra o governo democrático de Roosevelt. E o próprio Deutsche Bank, segundo concluiu o“Relatório do OMGUS” ( do Governo Militar dos EUA para Alemanha, em 1946/47). Ou como a Fiat em Itália. E os grandes conglomerados financeiros (zaibatsu), no Japão, controlados pelas famílias que os fundaram desde o século XIX.
O conflito militar torna-se inevitável quando se esgotam os meios pacíficos de disputa dos mercados e os ”interesses nacionais dos países” são invocados para justificar o recurso à violência do estado. As novas potências emergentes lutam para ocupar o espaço vital do mercado globalizado. Mas a origem da guerra é também a causa do seu fim anunciado, porque todos os conflitos militares impõem uma solução política.
China e Japão sofreram no século XIX dos mesmos “Tratados Infames”, impostos pelas potências ocidentais, que abriram as suas frágeis economias à concorrência dos produtos ocidentais e ao comércio do ópio, desorganizaram e arruinaram as suas economias agrárias e semifeudais.
No período de 1868 a 1913, o Japão completou a restauração Meiji, segundo a consigna, “País rico, Exército forte”, transformando-se ele próprio numa potência regional, com uma poderosa indústria que necessitava de novas fontes de matérias-primas e de mercados mais vastos. A Primeira Guerra Sino-Japonesa (1894-1895) permitiu ao Japão colocar sobre o seu domínio a Coreia, um reino que secularmente fora vassalo do imperador chinês, apoderando-se de grandes recursos em carvão e minérios de ferro para a crescente base industrial do Japão. Anexou igualmente as Ilhas dos Pescadores ou Penghu e Taiwan. E obteve em indemnizações de guerra um verdadeiro saque que lhe permitiu finalmente adotar o padrão-ouro. A Guerra entre a Rússia czarista e o Japão (1904-1905), permitiu a este país controlar a península de Liaotung, o estratégico Porto Artur e a linha de caminho-de-ferro da Manchúria do Sul, que a China se virá obriga a ceder. A I Guerra Mundial, afastando as potências beligerantes do mercado japonês, fortaleceu o imperialismo deste país: limitado no Pacífico pelo poderio da Inglaterra e pelas ambições dos EUA, o seu apetite expansionista virou-se para a China.
A China entrou no século XX com a sua economia agrária arruinada pelo roubo do chá, a abertura forçada dos portos ao comércio do ópio e das mercadorias estrangeiras, a soberania amputada nas concessões impostas pelas 8 grandes potências e o regime imperial em decadência. Neste quadro, a revolução democrática de 1911, dirigida por Sun Yat-sen, proclamou como objetivo derrubar a monarquia absoluta da dinastia Qing e fundar uma República Democrática, resgatar a soberania nacional, pôr fim ao regime feudal de propriedade da terra e ao poder dos caudilhos militares, desenvolver a indústria e a economia capitalistas. Numa primeira fase, apenas a região do Tibete, onde o feudalismo religioso era mais forte, tentou proclamar a sua independência da nova república, mas ficou isolada, na China como perante a comunidade internacional. Na década seguinte e sobretudo após o período da I Guerra Mundial, as potências europeias e os EUA recuperaram todo o seu poder, os caudilhos militares tomaram o controlo de vastas regiões do país, a China continuou a ser um país semifeudal e semicolonial e o governo democrático viu-se envolvido num confronto militar e numa guerra civil generalizados.
O partido Kuomitang, sob a liderança de Sun Yat-sen, congregou então todas as forças e classes progressistas da China, incluindo liberais e comunistas, a intelectualidade e a burguesia nacional. Os camponeses chineses despertaram da sua dominação milenar e, juntamente com os operários fabris das concessões coloniais (onde se encontravam também inúmeras fábricas de capital Japonês), foram os protagonistas da grande revolução de 1924-1927.
Mas uma nova direção tomou conta do Kuomitang, quebrou a aliança nacional que este representava e instituiu na China um regime militar autoritário, passando a hostilizar e perseguir os democratas e comunistas, suprimindo as liberdades democráticas nos territórios que controlava. No advento da II Guerra Mundial a China era um país envolvido numa guerra civil generalizada, com os caudilhos militares a Norte, o governo do Kuomitang subordinado às potências estrangeiras e algumas regiões remotas onde tinha sido realizada a reforma agrária e instituídos os primeiros sovietes.
A II Guerra Mundial desencadeia-se na Europa após o fracasso da “política de apaziguamento” do nazi-fascismo, que permitiu o esmagamento da República Espanhola, a anexação da Áustria e o desmembramento da Checoslováquia, já em 1938.
Na China decorre um processo político semelhante, tendo o Japão como potência agressora.
Em 18 de Setembro de 1931 o exército japonês, acantonado no Nordeste da China, iniciou uma campanha militar que lhe permitiu ocupar as províncias de Liaoning, Jiling e Heilongjiang, ricas em minerais e petróleo e ameaçar Shangai, criando a república fantoche do Manchukuo, com Pu Yu, o último herdeiro da dinastia Qing.
Através da mediação da Inglaterra e dos EUA o governo do Kuomitang, sedeado em Nanquim, cedeu a soberania do Nordeste da China. Mas aqui se iniciou a II Guerra mundial. O Kuomitang dividiu-se e um exército de guerrilha unificado, incluindo comunistas e democratas, iniciou nessa região a guerra patriótica de resistência ao Japão.
Em 1935 e explorando a política de não resistência do Kuomitang , os militaristas japoneses passaram ao assalto de todo o norte da China, contando com a colaboração dos setores mais retrógrados da sociedade chinesa. Por todo o país se começou a elevar um clamor para a unidade nacional contra a agressão, pelo fim da guerra civil e a constituição de um Governo de Defesa Nacional e de um Exército Aliado anti Japonês, e pelo restabelecimento das liberdades democráticas em toda a nação.
Em 7 de Julho de 1937, dois anos antes da ocupação da Polónia, as forças armadas japonesas avançaram sobre Pequim e Tianjim para conquistar toda a China. Uma vez mais, é necessário acertar o calendário da história da II Guerra Mundial.
O povo chinês passou à resistência e criou a Frente Única Nacional Anti japonesa. As potências ocidentais, na Europa como na China, prosseguiram na sua política de cedências e apenas a URSS, que assinara com o Governo nacional da China um pacto de não-agressão, enviou em sua ajuda assessores militares e esquadrilhas aéreas voluntárias, recursos financeiros e materiais.
O contributo militar da China para a derrota do fascismo mundial
Em finais de 1941 as forças armadas japonesas contavam com 2.100.000 mil efetivos nas forças terrestres e 300.000 nas forças navais.
Na sua ofensiva no Pacífico, contra os EUA e as colónias inglesas, o Japão lançou 400.000 soldados, deixando em reserva, para defesa do seu território, outros tantos. Para conquistar a China e enfrentar a resistência do seu povo, teve de concentrar neste país a maior parte dos seus soldados, um exército de 1.300.000 soldados.
Os invasores japoneses e as tropas que recrutaram localmente sofreram na China mais de 1.714.000 baixas, 524.000 soldados japoneses. Aquando da rendição, em 2 de Setembro de 1945, 1.280.000 efetivos do exército japonês depuseram as armas, o que significa, que todas as reservas da nação japonesa foram sacrificadas na guerra contra a China e que a resistência do seu povo deu a maior contribuição estratégica para a vitória dos aliados na Ásia pacífico. Sem essa resistência, a Japão poderia ter quadruplicado a sua capacidade militar nos outros teatros de guerra. O exército unificado da China teve ainda um papel determinante, com o britânico, na libertação da Birmâmia (Myanamar) e no apoio à Frente Democrática da Coreia, na época liderada pelo seu Partido do Trabalho.
O carater político da guerra determinou um percurso distinto dos cenários de batalha convencionais, e o futuro da grande nação chinesa, desembocando em nova guerra civil e na fundação da República Popular da China.
O Japão imperial definiu o objetivo da sua estratégia nacional como de “estabelecer uma nova ordem na Ásia Oriental” e desdobrou-a para a China sob a consigna de “combater os comunistas”.
A estratégia militar japonesa tinha como objetivo converter a China na base de retaguarda para a Guerra no Pacífico.
A sua estratégia operacional, em tudo semelhante à “guerra relâmpago “ concebida pelos estrategas nazis para Europa, tinha como objetivo conquistar em três meses as grandes cidades chinesas de Shangai a Guanghzou (Cantão), e os seus principais portos, avançando a partir das linhas férreas que partiam de Pequim e Tianjin, cercando e aniquilando os corpos de exército chineses com fulminantes “operações de limpeza”. Esta cultura estratégica, que visava aterrorizar o inimigo e impedir qualquer resistência, atingiu o horror no massacre de Nanquim, a capital do Kuomitang, a 13 de Dezembro de 1937. Durante seis semanas, após bombardeamentos massivos e indiscriminados, mais de 300.000 soldados e civis chineses foram massacrados, fuzilados e enterrados vivos. Nas áreas que controlavam, procuraram organizar uma administração fantoche, recrutando setores do Kuomitang e formando milícias, anexaram as empresas, controlavam todos os recursos estratégicos e prosseguiam o terror com a política de “responsabilidade solidária de dez lugares”, a pena de morte para dez famílias por cada uma que se envolvia na luta de resistência.
Contra as bases de apoio anti japonesas criadas na retaguarda dos territórios conquistados e nas zonais rurais e também nas áreas disputadas pela guerrilha, realizavam sucessivas “campanhas de limpeza”, de “depuração “ e de desgaste” e de “fortalecimento da ordem pública”, recorrendo mesmo à utilização de gases tóxicos e à guerra biológica, acontecimento único em todas os teatros do conflito mundial, que ainda hoje mortifica os descendentes das vítimas
O Governo do Kuomitang nunca implantou nas regiões sob a sua autoridade um regime democrático e, sistematicamente, prosseguiu as suas campanhas militares para cercar e aniquilar as bases do Exército Popular de Libertação. Os seus líderes, ligados aos setores exportadores e financeiro, acumularam gigantescas fortunas de guerra, enquanto a inflação dos bens essenciais e dos impostos esmagava o povo. Em nenhuma região implementaram as medidas de reforma agrária. A sua estratégia de guerra convencional conduziu à perda das principais cidades e províncias da China, que caíram sucessivamente sob o domínio japonês.
A definição de uma estratégia militar de guerra popular prolongada, que englobava a combinação da estratégia operacional da guerra de guerrilhas e da guerra de movimento, levou à criação de bases de apoio anti Japonesas ( que em 1940 já englobavam 100 milhões de camponeses e se estenderiam por mais de um milhão de km2), onde foi instaurada uma administração democrática, diferente dos denominados sovietes, segundo a regra dos 3 terços, isto é a representação nos órgãos de poder de um terço de representantes comunistas, outro terço para outros setores de esquerda e ainda um terceiro para os nacionalistas, onde a reforma agrária prosseguiu mas com a expropriação da terra substituída por uma política de redução das rendas e empréstimos aos camponeses, a propriedade empresarial e dos camponeses ricos respeitada.
O Exército Popular de Libertação, introduziu na estrutura militar o sistema dos comissários e instrutores políticos e a participação nas atividades produtivas, levantando em armas mais de 2 milhões de milicianos e tropas locais e o seu quadro, que foi incorporando grandes unidades que desertavam do Kuomitang, chegaria ao 1.200.000 de efetivos.
O projeto de criação de um governo democrático de frente única, através da convocação de uma Conferencia consultiva nacional, foi ganhando os setores intermédios da sociedade e deixou isolados os setores militaristas do Kuomitang e o seu líder Jiang Jieshi, que no seu livro o Destino da China proclamara a sua oposição não apenas a qualquer forma de socialismo mas também à democracia liberal.
Seguro da sua superioridade militar e do apoio das potências colonizadoras da China, agora já sob o signo da Guerra Fria, quebrou todos os acordos e compromissos, e escolheu o caminho da guerra civil, mas levantou contra ele a nação chinesa e acabou derrotado.
A aliança política forjada na resistência contra o Japão e consolidada neste período levou à convocação da Conferencia consultiva política do povo chinês em Pequim, entre 21 e 30 de Setembro de 1949, que, antes da constituição da Assembleia Popular Nacional eleita por sufrágio universal se assumiria aas suas funções. A República Popular da China foi proclamada a 1 de Outubro, por Mao Tse Tung, o seu primeiro presidente.
A Nova Democracia e ou República Popular nasceria na China sob direção do seu Partido Comunista, com duas singularidades que iriam alterar o modelo ortodoxo da revolução socialista: o seu regime político seria um regime pluralista, assente num sistema de consulta e partilha do poder, que a futura constituição iria consignar.
A China iria percorrer o seu próprio caminho para o socialismo.
A Nova China e o problema da Paz
Existem no país oito partidos que foram criados durante o período anterior à fundação da República Popular da China, denominado Guerra de Resistência à Agressão Japonesa e da Revolução Democrática, com base numa aliança com o Partido Comunista da China: O Comité Revolucionário do Partido Komingtang da China, com cerca de 650.000 membros, fundado em 1948, é dos mais representativos e o seu principal objetivo é a reunificação do país; a Associação da Construção Democrática da China, nascida em 1945, composta por empresários e quadros empresariais, predomina em número com os seus 850.000 aderentes; a Sociedade de Três de Setembro, nascida em 1946, inclui 80.000 aderentes, a Associação de Fomento da Democracia da China, com 80.000 membros, fundada em 1945 e o Partido Democrático Camponês e Operário da China, com origem em 1930 e 81.000 inscritos, representam quadros e trabalhadores intelectuais; o Partido Zhi Gong remonta a 1920 e integra sobretudo chineses que retornaram ao país, contando com 20.000 membros; a Liga Democrática da China é um núcleo de 156 intelectuais do sector educativo e cultural com origem em 1941; e a pequena, com 1600 membros, Liga para Democracia e Autonomia de Taiwan, criada em 1947 por personalidades nascidas naquela ilha, completam o sistema multipartidário Chinês, que permaneceu ate à atualidade.
Os presidentes dos comitês centrais dos oito partidos democráticos são vice-presidentes do Comitê Permanente da Assembleia Popular Nacional e da Comissão Nacional da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês.
A Assembleia Nacional Popular é o órgão do poder supremo na China. Todos os cidadãos maiores de 18 anos têm o direito de eleger (e ser eleito) o seu representante ao Congresso Nacional Popular. Na China, os representantes da assembleia popular aos níveis de aldeia e distrito são eleitos diretamente. Os representantes aos níveis mais altos são eleitos indiretamente. A Assembleia Nacional Popular é composta por representantes eleitos em todas as províncias, regiões autônomas, municípios e no exército. Os Congressos populares dos níveis superiores têm o mandato de 5 anos e os restantes de 3 anos.
As funções básicas da Assembleia Nacional Popular da China incluem a elaboração e aprovação do programa nacional de desenvolvimento económico e social, cabendo-lhe, além do poder legislativo, eleger ou demitir os principais líderes chineses, tais como, o presidente do país, o presidente do Comitê Permanente da Assembleia Nacional Popular, o primeiro-ministro do Conselho de Estado e os seus ministros e outros líderes, como o presidente e o vice-presidente do Supremo Tribunal Popular. Foi a Assembleia Nacional Popular que procedeu à aprovação das versões da Constituição datadas de 1954, 1975, 1978 e 1982.
A China é um estado de direito, com um sistema hierarquizado de tribunais populares e uma Procuradoria independente.
Na estrutura superior do poder conservou-se a Comissão Nacional da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês e os seus orgãos locais, com funções de consulta política e supervisão democrática, compostos por representantes do Partido Comunista da China, partidos democráticos, personalidades não partidárias, entidades populares, todas as minorias nacionais e todos os sectores sociais, incluindo as Regiões Administrativas Especiais de Hong Kong e Macau, Taiwan e chineses regressados do exterior, com mandato de cinco anos.
O socialismo é definido constitucionalmente com um período inicial onde
«… o Estado persiste no sistema económico fundamental, tendo por principal a propriedade pública com o desenvolvimento conjunto da economia de propriedades diversificadas, e no sistema de distribuição tendo por principal «a cada um segundo o seu trabalho» com a coexistência de meios diversificados de distribuição.»
Esse caminho conduziu a fracassos e vitórias, e a diversas fases de desenvolvimento que permitiram elaborar o conceito de “economia socialista de mercado”, questão mal estudada a ocidente, e baralhar o pensamento dogmático, como o princípio político “um país, dois sistemas”, aplicado á transição de Hong Kong e Macau, até ao período atual de abertura e agora de transição ecológicas da economia, com a inscrição nos próprios estatutos do PCCh dos princípios de defesa do ambiente.
Mas o fim da Guerra de Resistência contra o Japão foi apressado por um acontecimento trágico que vitimou o Japão e determinaria o curso da política internacional até á atualidade: o uso da bomba atómica contra os habitantes de Hiroxima e Nagasáqui.
O exemplo clássico da resolução de um dilema ético com base no princípio do utilitarismo, é a justificação política e moral do lançamento da primeira bomba atómica sobre Hiroxima e, depois da segunda sobre Nagasaky, comparando os mais de 200.000 mortos confirmados com a estimativa superior a um milhão de baixas, estimada pelos estrategas militares, caso os EUA tivessem que invadir e conquistar o Japão com armas convencionais.
A objeção moral mais comum contra a resolução deste dilema ético pelo holocausto nuclear do povo Japonês, reside no valor intrínseco da vida humana, que no imperativo categórico kantiano constitui um fim em si mesmo e não pode ser usada/aniquilada como um meio para beneficiar outros indivíduos, mesmo que para obter um benefício superior, neste caso, diminuindo as baixas.
Colocado assim o problema, a ética moderna e moral, na sua dimensão prática, parece tornar-se inconsequente e teoricamente paradoxal.
Mas nas semanas anteriores a Hiroshima, a maioria dos cientistas que trabalhavam no desenvolvimento da bomba atômica, o Projeto Manhattan, tentaram impedir o seu lançamento direto sobre as cidades japonesas, propondo uma estratégia de explosão em espaço aberto, com o fim de demonstrar o seu poder destrutivo. Perante a hesitação do próprio líder do projeto, os militares que o dirigiam recorreram à ameaça, chantagem e à manipulação da informação. Realizado o primeiro lançamento, impuseram o segundo, invocando o argumento de que os militaristas japoneses não queriam ceder.
Os documentos militares secretos da época, que entretanto foram desclassificados, mostram que havia uma intenção deliberada de experimentar o efeito da bomba sobre os seres humanos e uma segunda finalidade política: meter em respeito a URSS triunfante e os novos estados socialistas que emergiam a Leste e na Ásia: começava a guerra fria.
Aqueles cientistas, conscientes dos perigos do uso militar da energia nuclear, e dos riscos de novos confrontos que poderiam conduzir à extinção da humanidade, deram corpo ao movimento cívico e político denominado Movimento dos Cientistas, que chegou a congregar 515 cientistas de Harvard e MIT em 1945, com base num programa que seria a base de todos os discursos, livros e artigos posteriores e que tinha como objetivo conduzir o governo americano para um acordo internacional com a URSS, de forma que tais armas não fossem mais produzidas. Vejamos o seu argumentário:
1- Other Nations would soon be able to produce atomic bombs (outras nações, em breve poderão produzir bombas atômicas).
2- No effective defence was possible (nenhuma defesa absoluta é possível).
3- Mere numerical superiority in atomic weaponry offered no security (a mera superioridade numérica de armas atômicas não garante a segurança).
4- A future atomic war would destroy a large fraction of civilization (uma futura guerra nuclear irá destruir uma larga fração da civilização)
5- Therefore, “International cooperation of an unprecedented kind is necessary for our survival” (logo, uma nova cooperação internacional sem precedentes é necessária para a nossa sobrevivência).
A heurística do medo foi a sua estratégia de propaganda, mas o governo americano conseguiu desmantelá-lo em 1947 e adotou esse discurso exatamente para o fim oposto.
A Coexistência Pacífica
Ainda em plena Guerra Fria, a RPCh elaborou uma nova estratégia para a paz mundial, uma “grande estratégia”, na asserção das ciências políticas e militares:
Que engloba uma estratégia nacional, assente já não apenas na prosperidade geral da nação, mas na transição ecológica da economia e das comunidades, recuperando o património natural da China, “A China Formosa”. Nação entendida aqui já não na oposição de classes mas na harmonização dos seus interesses através do sistema da economia socialista de mercado e do “império da lei”, mas de modo a aproximar a cidade do campo, nivelar as 56 nacionalidades e a elevar o nível de bem estar das classes populares, limitando o poder e aumentando o contributo social dos novos milionários e da camada superior da classe média, através da fiscalidade e, sobretudo, da permanência do controle do estado no setores fundamentais da economia e do capital financeiro, da sacralização da propriedade da terra, cujo usufruto é partilhado e mesmo mercantilizado, mas não pode ser apropriada pelos interesses individuais, enquanto símbolo de uma cultura quatro vezes milenar e na correção das disfunções e crises do mercado. Realizando “O Sonho Chines” da plena soberania nacional, que inclui obviamente o Tibete, Hong Kong e Macau e a reintegração pacífica de Taiwan, e o respeito do mundo, acompanhados com o acesso aos bens da civilização, numa lógica de cooperação e partilha internacional assente nos Cinco Princípios da Coexistência Pacífica; igualdade, reciprocidade, benefício mútuo, não ingerência e resolução pacífica dos diferendos.
Uma estratégia militar de auto-defesa, que recusa e se opõe à hegemonia, às políticas intervencionistas, à corrida ao armamento ofensivo e às alianças militares e determina a integração do poder político e militar, sob a direção daquele.
E uma estratégia operacional de cooperação internacional que recusa a subalternização da ONU, preconiza a aplicação integral da sua Carta e a passagem para esta instância internacional da mediação e decisões sobre todos os conflitos
O principal contributo do Partido Comunista Chinês_PCCh para fundar o denominado regime de “democracia popular”, com base na democracia económica e tendo em conta a Declaração Universal dos Direitos do Homem, muito citada mas pouco conhecida nos seus 30 artigos, foi na época distribuição aos 500 milhões de camponeses da posse da terra, que tornaram agricultável ao longo de quatro mil anos de civilização (Declaração Universal dos Direitos Humanos: Artigo 17° Toda a pessoa, individual ou colectivamente, tem direito à propriedade) e tê-los libertado do flagelo dos senhores da guerra, e conquistado a paz, a coexistência pacífica entre 56 nacionalidades, instrução, cuidados primários de saúde e assistência social básica, tal como o direito generalizado ao trabalho.
A população, que era de 542 milhões, cresceu para 1.300 milhões de cidadãos.
A esperança de vida passou de 36,5 para 73,4 anos.
O rendimento per capita elevou-se de 51 dólares para 2.770.
Em 1979 os impostos e taxas dos camponeses correspondiam a 41% da receita fiscal. Caíram, à medida que se desenvolviam a indústria e os serviços, para 1% do total da receita fiscal no ano de 2003.
As “foreing-exange reserves”, anteriormente inexistentes, elevaram-se até 2 “triliões” de dólares, as maiores do mundo.
O número de estudantes no ensino superior passou de 112.000 para 2.200 milhões, em cada ano letivo.
O analfabetismo, que atingia 80% da população, praticamente foi erradicado e o ensino básico e secundário abrange hoje 206 milhões de jovens.
A mortalidade infantil caiu de 1.500 para 34,2 por 100.000 nascimentos.
As 56 nacionalidades da China vêm a sua autonomia política respeitada, não apenas na preservação e ensino da sua língua e cultura, como através da eleição dos seus próprios representantes. E, ao contrário do que se divulga na opinião pública, a educação, os serviços de saúde, o apoio aos deficientes e aos direitos femininos, o respeito e cuidado com os mais velhos, são parte integrante dos direitos constitucionais e sociais generalizados sobretudo nos últimos 30 anos de República Popular.
Parece-me igualmente relevante e uma reforma política de alcance universal, a decisão dos comunistas e democratas chineses de limitar todos os mandatos partidários e do Estado, nos diferentes níveis, como no caso dos órgãos supremos do Estado, com dois mandatos de cinco anos, representando uma resposta mais adequada à perversão do poder democrático, pelo culto da personalidade nos regimes socialistas e pela constituição de círculos de poder oligárquicos nas outras democracias, que se perpetuam por dezenas de anos, e facilmente se transformam em centros de tráfico de influência e mesmo de corrupção, sobretudo com a promiscuidade que se estabelece entre os lugares ocupados nos ministérios e nas ricas administrações das maiores empresas.
E a disposição constitucional chinesa que coloca de novo a questão da possibilidade de revogação permanente do mandato dos eleitos, a partir do controle e decisão soberana dos congressos e eleitores que os elegeram.
Cabe-nos a nós, homens e mulheres do século XXI, avaliar os dois regimes que marcaram a história da II Guerra Mundial e do nosso presente, a democracia liberal e a democracia socialista, tendo como parâmetros a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que em 1948 atualiza os ideais de todas as revoluções anteriores, nos seus 30 e desconhecidos artigos.
E contemporaneamente, os princípios da Ética Ambiental, sobretudo na sua crítica ao antropocentrismo e ao etnocentrismo.
E retirar, do debate político, a espuma suja da luta sem princípios da “guerra fria”, com a redução dos Direitos Humanos à liberdade política formal e a separação entre a Política e a Ética Ambiental.
Em tese concluímos: não existe um caminho único para a democracia e é um direito inalienável de cada nação escolher esse caminho. Cabe-os a nós cidadãos escrutinar essas democracias, à luz do pensamento político mais avançado da nossa época: O que. por consenso, consignou os 30 artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e elaborou a crítica da Filosofia Ambiental e da sua Ética à ideologia liberal e à ideologia socialista.